Por Luiz Fernando Pedrazza e Vanessa Luiza Boll.

As Medidas Provisórias nºs 927 e 928, publicadas, respectivamente, em 22 e 23 de março de 2020, pela Presidência da República, trouxeram uma série de medidas trabalhistas excepcionais e transitórias que podem ser utilizadas pelos empregadores durante o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus (COVID-19). Foram criadas especialmente em razão da crise mundialmente instalada e que representa cenário nunca enfrentado pela sociedade moderna e, por isso, prevalecem sobre as previsões ordinariamente previstas na legislação trabalhista e nas normas coletivas.

Importante ressaltar que, por se tratar de situação jamais enfrentada no âmbito da legislação trabalhista brasileira, não há qualquer jurisprudência recente que possa ser utilizada como paradigma à atual situação pandêmica.

O estado de calamidade pública vigente no País foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e, em princípio, está previsto para durar até 31/12/2020, prazo que pode ser prorrogado ou mesmo antecipado a depender da evolução ou não do cenário de crise no País.

A Medida Provisória nº 927 originalmente havia previsto, em seu artigo 18 (posteriormente revogado pela Medida Provisória nº 928), o chamado ‘lay-off’ com qualificação profissional, que possibilitava a suspensão do contrato de trabalho acompanhado da suspensão do pagamento de salários, por um período de até 4 meses, desde que o empregado fosse inscrito e participasse de curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pela sua empregadora, através de um acordo individual firmado pelas partes, sem participação dos sindicatos.

Atualmente, após a revogação do mencionado artigo, não há nenhuma outra disposição sobre suspensão do contrato de trabalho especificamente em razão do coronavírus, tampouco qualquer disposição sobre possibilidade de redução de salários.

A possibilidade de adoção de ‘lay-off’ para qualificação profissional continua disponível, mas somente se houver previsão expressa em norma coletiva, segundo previsão contida no artigo 476-A CLT.

De igual modo, a possibilidade de redução de salários proporcionalmente à redução da jornada de trabalho necessariamente exige negociação coletiva, conforme prevê a Constituição Federal no artigo 7º inciso XIII.

A Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe justamente sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, prevê, em seu art. 3°, parágrafo 3°, que o afastamento de funcionários em decorrência de medidas preventivas impostas pelo Estado será equiparável à licença remunerada. Nessa esteira, o contrato de trabalho dos empregados atingidos pela quarentena ou pelo necessário afastamento, mesmo que não infectado, mas como medida de prevenção, ficará interrompido. Desta forma, o empregado recebe o salário mesmo sem a prestação do labor.

Utilizando-se a mesma analogia, o artigo 133, III, da CLT, prevê que, se a licença for superior a 30 dias consecutivos, o empregado perde as férias proporcionais e novo período aquisitivo se inicia após o fim deste afastamento.

A maior inovação (e principal alvo de críticas) introduzida pelas Medidas Provisórias publicadas pelo Governo Federal diz respeito à viabilidade de que as disposições excepcionais ali introduzidas prescindam de negociação coletiva, ou seja, possam ser pactuadas diretamente entre empregador e empregado.

Dentre as medidas excepcionais trazidas por essa novel legislação estão:

1. Teletrabalho ou home office: Esse regime de trabalho já era adotado na CLT, mas exigia a celebração de contrato escrito prevendo-o. Agora, o empregador pode, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho à distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. A única exigência seria a de notificar o empregado com antecedência de 48 horas, o que pode ser realizado, inclusive, por meio eletrônico. A responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de ferramentas de trabalho e comunicação e pelo custeio de eventuais despesas arcadas pelo empregado em função do home office pode ser objeto de estipulação escrita firmada entre as partes em até 30 dias, contados do início do regime de teletrabalho. Se o empregado não possuir a infraestrutura e os equipamentos necessários a esse regime, é facultado ao empregador suprir essa carência, fornecendo os meios necessários sem que configurem verba de natureza salarial. O teletrabalho pode ser aplicado a estagiários e aprendizes, desde que não ocorra o desvirtuamento das atividades educacionais e mediante anuência das entidades formadoras ou das instituições de ensino.

2. Férias: Os trabalhadores que pertencem ao grupo de risco do coronavírus devem ser priorizados para fruir férias, sejam elas individuais ou coletivas. As férias individuais podem ser comunicadas mediante aviso de 48 horas, mesmo que o empregado ainda não tenha completado o período aquisitivo. É possível a negociação individual da antecipação de períodos futuros de férias. O pagamento não será antecipado, como ocorre normalmente, e poderá ser feito até o 5º dia útil do mês seguinte ao do início das férias. Já o pagamento do terço constitucional das férias poderá ser feito até 20 de dezembro de 2020, juntamente com a gratificação natalina. O abono de férias (a conversão em dinheiro de um terço dos dias de férias a que o empregado tem direito) deixou, nessa hipótese, de ser um direito do empregado e passa a depender de anuência do empregador. As férias coletivas também podem ser comunicadas com apenas 48 horas de antecedência, sendo dispensada a exigência de comunicação ao sindicato dos empregados e ao Ministério da Economia, não sendo aplicáveis as limitações temporais (máxima de períodos anuais e mínimo de dias corridos, conforme previsto na CLT).

3. Banco de horas: As empresas que optarem pela interrupção de suas atividades podem criar um banco de horas especial, mediante acordo escrito coletivo ou individual, para compensação em até 18 meses, contados da data do encerramento do estado de calamidade pública. Observe-se, no entanto, que a compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.

4. Aproveitamento e antecipação de feriados: Os empregadores podem antecipar unilateralmente o descanso de feriados não religiosos sem anuência do empregado, inclusive para fins de compensação do saldo do banco de horas. A utilidade da faculdade exige a comunicação dos beneficiados por escrito ou por meio eletrônico e indicação expressa dos feriados, com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas. Diferentemente, em se tratando de feriados religiosos, a antecipação obrigatoriamente depende de concordância do empregado.

5. Suspensão de exigências em saúde e segurança do trabalho: Fica suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais (salvo se o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 dias), sendo que a sua exigibilidade fica postergada para 60 dias contados do encerramento do estado de calamidade pública. Da mesma forma, suspende-se a obrigatoriedade de realização de treinamentos, que devem ser retomados e realizados no prazo de 90 dias contados do encerramento do estado de calamidade pública. Abre-se a possibilidade de realização dos treinamentos na modalidade de ensino à distância mediante fiscalização do empregador quanto à observância dos conteúdos práticos. Quanto às CIPAS (comissões internas de prevenção de acidentes), as atualmente existentes podem ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade, com prorrogação dos mandatos que se encerrariam até lá, sem necessidade de instaurar novo processo eleitoral no período, sendo que os processos eleitorais em curso podem ser suspensos.

6. Adiamento do recolhimento do FGTS: Está suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelas empresas no que se refere às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente. Os recolhimentos poderão ser feitos posteriormente de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e de encargos em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.

7. Possibilidade de elastecimento das horas extras nos estabelecimentos de saúde: Os trabalhadores que laboram em estabelecimentos de saúde podem prorrogar a jornada de trabalho, mesmo no caso de realizarem atividades insalubres e jornada 12×36, mediante celebração de acordo individual escrito sem participação do sindicato. Podem ser adotadas escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora no dia previsto ao descanso, sem que haja penalidade administrativa, desde que garantido o repouso semanal remunerado. As horas extras podem ser compensadas no prazo de 18 meses contados da data de encerramento do estado de calamidade pública, por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra.

8. Ausência de presunção de nexo técnico epidemiológico em caso de contaminação pelo coronavírus: Os casos de contaminação pelo coronavírus somente serão considerados ocupacionais com comprovação do nexo causal, afastando-se qualquer presunção, mesmo que relativa, o que, em princípio, deve ocorrer apenas nas atividades de saúde.

9. Convalidação das medidas já adotadas pelos empregadores antes da publicação das MPs: Serão convalidadas todas as medidas trabalhistas já adotadas pelas empresas que não contrariem as citadas acima, tomadas no período dos trinta dias anteriores à data de entrada em vigor da Medida Provisória 927.

Observe-se, ainda, as previsões já dispostas na CLT, como, por exemplo, a regra do artigo 61 da CLT: como a situação epidemiológica se enquadra na categoria de força maior (art. 501 da CLT), poderá ser adotada a regra contida no artigo 61, § 3º da CLT, isto é, o empregado interrompe a prestação de serviços, recebendo os salários do período e, quando retornar, o empregador poderá exigir, independente de ajuste escrito, até 2 horas extras por dia, por um período de até 45 dias, para compensar o período de afastamento.

Por fim, cumpre recomendar a aplicação das disposições previstas nas Medidas Provisórias editadas pelo Governo Federal com extrema cautela, analisando-se os casos em que efetivamente trariam condição mais benéfica para a empresa. As MPs ainda serão objeto de análise pelo Congresso Nacional, podendo ser convertidas em lei, rejeitadas ou, ainda, podem não ser apreciadas dentro do prazo, perdendo a vigência.

Consoante já declinado no início do texto, a situação vivenciada por toda a sociedade, o que inclui tanto empregadores quanto empregados, não encontra parâmetro na história recente, quiçá na jurisprudência de nossos tribunais. Diante da obscuridade e da incerteza do futuro que se avizinha, faz-se necessário o acompanhamento diário dos movimentos do Legislativo, mas também das vindouras decisões do Judiciário Trabalhista.